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01/01/1970 00:00:00

Juros americanos sobem e ameaçam inflação e retomada econômica do Brasil; entenda os efeitos

Treasuries americanas voltam ao mesmo patamar pré-crise de 2008 e fortalecem a percepção de que a maior economia do mundo pode passar por um período de recessão econômica importante em 2024.

01/01/1970 00:00:00

As taxas de juros de 10 anos dos Estados Unidos atingiram, nesta semana, um patamar de 4,32% ao ano. Trata-se do mesmo nível de 2007, pré-crise econômica que atingiu o país e boa parte do mundo no ano seguinte.

Esse número não era visto há 16 anos e fortalece a percepção de que a maior economia do mundo pode passar por um período de recessão econômica importante em 2024. Embora essa notícia pareça muito distante da realidade brasileira, com juros mais altos lá fora e essas projeções econômicas negativas, os impactos também podem ser sentidos no Brasil.

O primeiro e mais esperado desses impactos é o aumento da taxa de câmbio, que já está acontecendo: mesmo que o dólar esteja operando em queda no pregão desta quarta-feira, a moeda americana (que estava vivendo um período de baixa nos últimos meses) já avançou 3,35% em agosto, até aqui.

Mas a desvalorização do real frente ao dólar é só a ponta do iceberg. Esse é, na verdade, o fator que pode desencadear uma série de outros desafios econômicos para o Brasil, com destaque para:

  • uma nova alta mais forte da inflação;
  • juros demorando para cair ou até voltando a subir;
  • consumo mais fraco dos brasileiros;
  • empresas com dificuldade de atrair investimento estrangeiro;
  • economia, como um todo, crescendo menos.

Entenda mais detalhes abaixo.

Juros altos nos EUA significam migração de investidores

Com taxas maiores, os títulos públicos dos Estados Unidos passam a entregar um retorno maior para os investidores. Esses títulos — as Treasuries americanas — são considerados os investimentos mais seguros do mundo. Então, quando eles passam a render mais, é normal que haja uma saída dos investidores de outros países, sobretudo os emergentes, como o Brasil.

A situação se intensifica, ainda, pelo próprio cenário interno do país. O novo arcabouço fiscal só foi aprovado nesta terça-feira (22) e a percepção de especialistas é de que os gastos do governo continuam elevados, na contramão da arrecadação federal, que vem desacelerando.

Esse conjunto de fatores eleva a preocupação e afasta os investidores do Brasil, com a dúvida de como fica a trajetória da dívida pública e a credibilidade das iniciativas do governo para aumentar a arrecadação.

De volta aos Estados Unidos, o responsável por determinar o valor dos juros no país é o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) e, assim como no Brasil, a regra básica da instituição é subir os juros quando a inflação está alta.

É esse o momento atual. O processo de combate à inflação nos EUA vem desde que a pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia fizeram os preços avançar no país para os maiores patamares em mais de 40 anos.

Para controlar esse forte avanço nos preços, o Fed passou por um ciclo de elevação das suas taxas de juros, tornando os processos de financiamento e tomada de crédito mais caros a fim de reduzir os níveis de consumo da população — o que tende a diminuir a inflação.

Atualmente, os juros estão entre 5,25% e 5,50% ao ano, o maior patamar em 22 anos. Mas o Fed tem dado pistas de que ainda será necessário promover novas altas nos próximos meses, já que a inflação continua acima da meta, que é de 2% nos Estados Unidos.

O Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) chegou aos 3% na variação anual, mas voltou a subir em julho, para 3,2%. Ao mesmo tempo, o mercado de trabalho americano segue aquecido (o que coloca mais dinheiro na mão da população e aumenta a pressão de preços), reforçando a ideia de que a batalha contra a inflação elevada ainda não acabou.

Toda essa perspectiva torna cada vez mais distante o desejo do Fed de realizar um "pouso suave" da economia — ou seja, elevar os juros apenas o suficiente para que a inflação caía sem afetar muito a geração de empregos e sem promover uma recessão econômica.

Dólar sobe e pressiona a inflação

William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue Securities, explica que, para que a moeda americana fique mais barata no Brasil, é necessário que o investidor estrangeiro venda o dólar dentro do país para comprar real e, então, investir com a moeda brasileira.

Entre os fatores que pode atrair estrangeiros está a taxa de juros. Como os títulos brasileiros são considerados menos seguros que os dos Estados Unidos, é ter uma rentabilidade atraente, bem maior que investimentos semelhantes, para chamar a atenção.

Com a taxa básica de juros brasileira, a Selic, a 13,75% ao ano, esse diferencial de juros garantiu alguma entrada de capital estrangeiro no país e controlou o câmbio. Entre o fim de julho do ano passado e deste ano, o dólar teve uma queda de 8,61%.

"Agora isso tem mudado. Os juros nos Estados Unidos continuam a subir juros e, no Brasil, começa a cair. A curva brasileira de juros futuros já aponta para baixo. Então, o diferencial de juros está diminuindo e isso torna menos interessante, para o estrangeiro, buscar o juro brasileiro. Se menos investidores vendem dólar, o real se desvaloriza" diz Castro Alves.

Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC), no começo de agosto, o colegiado fez o primeiro corte na taxa Selic, de 0,5 ponto percentual. Além disso, o Copom já indicou novos cortes de mesma magnitude nos próximos meses, em sentido contrário ao que o Fed afirmou que vai fazer.

O comitê optou por começar essas reduções nos juros porque a inflação brasileira vinha dando sinais de desaceleração. Mas até mesmo essa dinâmica pode mudar.

"Esse aspecto do dólar (possivelmente subindo) tem um impacto na inflação que não é desprezível. Se o dólar se valoriza, consequentemente vários produtos que a gente consome ficam mais caros e isso acarreta em inflação", destaca o estrategista da Avenue.

Isso ocorre porque muitos produtos consumidos no Brasil são completamente importados ou, então, têm parte de suas matérias-primas importada. Assim, com o dólar em alta, fica mais caro de trazer esses produtos para dentro do país, gerando inflação.

Um exemplo claro são os combustíveis. Mesmo com o abandono da antiga política de preços, que priorizava a paridade internacional, a Petrobras precisou reajustar para cima os preços da gasolina e do diesel para não ter prejuízos operacionais. Nesse caso, tanto o dólar como o barril de petróleo tiveram altas consideráveis nos últimos meses.

O resultado é que o grupo de Transportes teve a maior alta do mês de julho no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do Brasil.

A gasolina, em específico, é o item que teve o maior peso na composição do indicador (0,23 p.p.) e registrou alta de 4,75% no mês. Sem a gasolina, o IPCA teria fechado o mês de julho com deflação de 0,11%. Mas o resultado foi de alta de 0,12%. Além disso, a elevação desses preços tem um impacto sobre toda a cadeia produtiva.

Com isso, as expectativas de que a inflação pudesse encerrar o ano dentro da meta da BC (que é de 3,25%, podendo oscilar entre 1,75% e 4,75%) foram por água abaixo. Os analistas do mercado financeiro já voltaram a subir suas projeções para o IPCA no fim deste ano, com o Boletim Focus mostrando uma previsão de 4,90%.

Recessão à frente?

Com a tendência de que os juros continuem subindo nos Estados Unidos (ou pelo menos continuem em patamar elevado por vários meses), diversos analistas já enxergam a possibilidade de o país enfrentar um período de recessão econômica no próximo ano.

Uma recessão na maior economia do mundo poderia trazer efeitos para todo o mundo, inclusive o Brasil. O principal e mais imediato desses efeitos é, justamente, uma fuga dos investidores daqui.

Pode parecer contraditório, mas com as perspectivas de crise nos Estados Unidos, os investidores ficam mais avessos a risco e migram direto para os ativos que são considerados os mais seguros — justamente as Treasuries americanas, que são tidos como "livre de riscos".

Dessa forma, além da alta do dólar e possíveis impactos sobre a inflação, a tendência é que a economia brasileira também encontre mais dificuldade para continuar crescendo, já que muitas empresas nacionais são bastante dependentes de investimento estrangeiro para crescer em infraestrutura e, consequentemente, geração de empregos.

O ambiente de aversão a risco do exterior, potencializado pelas indefinições fiscais do Brasil, afasta principalmente o investidor de bolsa, que prioriza os ativos seguros ante o mercado de ações. Afinal, os investimentos em bolsa vão bem quando os resultados das empresas vão bem. E, em cenário de recessão, entregar bons retornos fica mais desafiador — enquanto a remuneração de títulos seguros fica mais vantajosa.

Além disso, Castro Alves, da Avenue, pontua que as companhias que optem por emitir títulos de dívidas também podem encontrar dificuldades, já que os títulos americanos estão com boas rentabilidades. Para atrair o investidor, o retorno oferecido pela empresa teria de ser bem maior.

Isso pode fazer com que as empresas adiem esses projetos de crescimento, enquanto esperam por uma situação mais favorável. É mais uma dinâmica que impacta diretamente o crescimento econômico.

Mas o cenário pode ficar ainda mais desafiador para o Brasil se esse período de recessão econômica atingisse a China, o principal parceiro comercial do país. Seria um impacto direto sobre as exportações, que têm sido um dos motores para evitar a desaceleração da atividade brasileira.

Mesmo com essas perspectivas negativas no radar, o cenário-base do mercado é de crescimento econômico no Brasil nos próximos anos, mesmo que mais modesto. As projeções do Boletim Focus para o Produto Interno Bruto (PIB) do país são de crescimento de 2,29% para 2023, 1,33% para 2024 e 1,90% para 2025.

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