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01/01/1970 00:00:00

Vem aí um período de "trumplência" e Brasil pode ganhar com conflito entre EUA e China

Cenário para 2025 favorece o País, mas barbeiragens nas políticas econômica e externa podem estragar a festa

01/01/1970 00:00:00

Marcos Troyjo foi o negociador-chefe do Brasil para o acordo entre Mercosul e União Europeia, fechado inicialmente em 2019, mas não assinado na época. Ele diz que o novo impulso ao acordo é beneficiado pela nova realidade comercial global, marcada pela eleição de Donald Trump. Afirma também que o agronegócio pode se beneficiar da disputa dos EUA com a China. Apesar de o Brasil poder fornecer ao mundo segurança alimentar, diversificação energética e investimentos em economia verde, argumenta que problemas internos podem impedir o País de aproveitar esse momento.

Confira a entrevista

O que pode representar ao mundo o segundo mandato de Trump nos Estados Unidos?

Acho que vem aí um período de “trumplência”. É quando você está no avião e o piloto pede para você apertar o cinto, porque entrará em área de turbulência. Trump tem a maioria no Congresso, ganhou pelo voto popular, tem mais espaço de manobra para uma agenda que entende favorável para os EUA, seja para restrições ao comércio, seja para investimentos de determinados países. Há um jogo de palavras com a ideia de opulência, de riqueza da economia americana. São vários os sinais.

Quais seriam esses sinais?

No primeiro mandato de Trump, em 2017, a distância entre o PIB nominal dos Estados Unidos e o PIB da China estava se encurtando. Em anos recentes, essa boca de jacaré voltou a abrir. Os Estados Unidos estão muito fortes, chegam a 2025 com um PIB nominal de quase US$ 29 trilhões e os chineses, com um pouco mais de US$ 18 trilhões. Hoje, das dez maiores empresas do mundo, em market cap, nove são americanas. O PIB per capita do Mississippi, o estado mais pobre dos Estados Unidos, supera o do Reino Unido. A renda per capita americana é o dobro da renda da zona do euro. Trump vai tocar essa agenda para a frente.

As restrições comerciais pretendidas por ele teriam um limite diante de um mundo globalizado?

Uma geometria possível é que a imposição de tarifas aos chineses e aos europeus pode aproximar novamente Europa e China. O governo americano vai estabelecer uma espécie de cobertor com barreiras tarifárias para todas as exportações chinesas. Em alguns casos, vai aumentar para os setores de comércio restrito, como o de software, para temas vinculados à Inteligência Artificial e a banco de dados. E os chineses vão ter de retaliar, só que não podem fazer isso na mesma proporção. Terão de identificar áreas que são dolorosas do ponto de vista político para os Estados Unidos. Duas delas são muito claras. A dos minerais críticos, que abastecem as empresas de tecnologia, porque de cada dez quilos que os Estados Unidos adquirem, oito vêm da China, mas o lobby político dessas empresas é forte, e uma ação assim da China gera uma repercussão expressiva em Washington. A outra área é o agro, das exportações de alimentos. Os Estados Unidos têm uma balança comercial superavitária com a China no setor do agro e foram durante muitos anos o principal vendedor para a China, mas ultrapassados em 2019 pelo Brasil.

Então o Brasil pode se beneficar com isso?

Os chineses têm no Brasil quase um substituto automático de coisas que compram hoje nos Estados Unidos. Eles podem comprar mais do Brasil: mais carne, mais soja, mais algodão, mais milho. Tem aí um potencial benefício indireto da presidência Trump, que aumenta ainda mais o fluxo de exportações do agro brasileiro para a China.


Presidente eleito dos EUA, Donald Trump, em 4 de novembro de 2024 – AFP/Arquivos
A China está se aproximando também da América Latina, recentemente inaugurou um grande porto no Peru. Qual sua leitura?

Esse porto no Peru, e tantas outras obras de infraestrutura que a China está financiando em outros países, obedece, pelo menos, a duas lógicas. Uma tem a ver com o aumento da velocidade do deslocamento logístico de bens que são essenciais para a China. No caso, de minerais e alimentos. Outra, com sua fórmula de crescimento, que combina a taxa de poupança alta com investimento alto em infraestrutura. Há expansão para outras regiões, primeiro na vizinhança geográfica, e isso vai chegando na América Latina. Eles diversificam geografias e portfólio para o investimento infraestrutural chinês, que pode render bons contratos financeiros ou benefícios para as grandes empresas chinesas de construção civil.

Então nesse conflito comercial entre EUA e China, o Brasil sai ganhando?

O Brasil tem o que o mundo precisa hoje: segurança alimentar, diversificação energética, matriz limpa de energia, um direcionamento forte para investimentos em bens de capital voltados para a economia verde. Além disso, pelos riscos que oferecem, países como a Rússia e os do entorno da Europa Oriental perderam atratividade para os investimentos internacionais. Todo mundo no planeta – árabes, Estados Unidos, México – está querendo atrair riqueza, desburocratizar, aumentar a participação do setor privado em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
O Brasil está fazendo o contrário: aumenta impostos, não diminui carga tributária, colide com a ideia de economia institucional, intervém no Conselho de Administração de empresas de capital misto, faz críticas vorazes à autonomia do Banco Central. Embora esteja à frente na largada, acaba sendo ultrapassado porque está pesado demais.

A chegada de montadoras chinesas no Brasil pode representar um impulso à industrialização, com produtos de alto valor agregado?

Comparado ao histórico do passado recente do Brasil, sim. A área de agregação de valor, de liderança tecnológica, que a chegada dos chineses e de outros pode representar ao Brasil, vem nessa conjunção de sustentabilidade, da elaboração de toda uma cadeia de produção a partir de motores que se movimentam tanto com eletricidade, baterias, como com combustíveis renováveis, como o etanol de cana. A grande oportunidade está na produção de carros híbridos.

E o acordo com o Mercosul? Houve muito vai e vem, não?

Esse acordo havia sido concluído em 2019, quando as partes negociadoras, europeia e do Mercosul, chegaram a um entendimento. Não foi assinado naquele ano pelos focos de incêndio florestal no Brasil, que mereceram um ataque crítico internacional. Eu era o negociador-chefe da área brasileira, e decidimos não assinar naquele momento e esperar a temperatura baixar um pouco. Aí, Alberto Fernández foi eleito na Argentina e se negou a continuar com o acordo, argumentando que ia destruir a indústria argentina. Foi um obstáculo gigantesco. Alguns capítulos já concluídos foram reabertos pelos europeus para mais discussão.

Desta vez, o acordo será aprovado pelos Parlamentos da União Europeia?

Houve um fenômeno geopolítico nesses últimos 45 dias que mudou tudo: a eleição do Trump. Os europeus vão entrar numa fase de negociação dura com os americanos, a partir de 20 de janeiro do ano que vem. Eles entenderam por bem aceitar as novas condições, em que foram retiradas as compras governamentais. Portanto, é um acordo que ficou menor do que o concluído em 2019, e traz mais restrições ao Brasil no campo ambiental. Os europeus estão preocupados porque, comercialmente, estão sendo tratados como os chineses, como os indianos, e por isso tendem a ser menos restritivos nessa dinâmica de aprovação do acordo com o Mercosul.

Os conflitos no Oriente Médio, a tensão entre EUA e China, as sanções impostas à Rússia e o avanço dos Brics, tudo isso beneficia o Brasil?

No mundo existe uma grande aversão a risco. O que os atores estão fazendo é medir riscos, o de exposição à China, ao Oriente Médio, à África, à Europa Oriental. E a decisão econômica é mediada por cálculo geopolítico. Nesse aspecto, o Brasil apresenta menos riscos. Os maiores riscos brasileiros são de barbeiragens de política econômica e de política externa do atual governo. Os nossos principais desafios são internos.

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