Lei marca reestruturação do sistema de impostos, discutida há décadas
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Software "estrangeiro" não recolhe Imposto de Renda
A decisão é inédita e, certamente, impactará a já abalada competitividade do software brasileiro com o estrangeiro, dentro do Brasil.
01/01/1970 00:00:00
Luiz Queiroz
Por mais incrível que possa parecer, as empresas brasileiras desenvolvedoras de software acabam de sofrer mais um duro golpe. A Segunda instância da Justiça federal decidiu que a Receita Federal não pode recolher o Imposto de Renda (IR) sobre prestações de serviços contratadas por empresas brasileiras, mas feitas por empresas no exterior.
A decisão é inédita e, certamente, impactará a já abalada competitividade do software brasileiro com o estrangeiro, dentro do Brasil. O entendimento proferido pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região livrou uma petroquímica brasileira de pagar o imposto sobre os serviços prestados fora do país por duas empresas estrangeiras sem sede no Brasil - uma no Canadá e outra na Alemanha, ambos países que, à época, tinham convenções internacionais para evitar a bitributação firmadas com o Brasil vigentes.
"Com toda certeza, essa decisão é mais um tiro nas pretensões das empresas de informática dedicadas ao outsourcing. É evidente que vai ficar mais barato contratar indianos, chineses ou até islandeses, o que é uma pena", disparou o presidente da Fenainfo, Maurício Mugnaini, que também é vice-presidente da Confederação Nacional de Serviços.
A decisão do TRF poderá criar uma situação surreal. Se por um lado incentiva empresas nacionais a buscarem serviços de software no exterior, do outro, tal decisão pode favorecer as grandes empresas brasileiras de software em processo de internacionalização. Só que, curiosamente, ao invés delas se focarem na busca de novos contratos pelo mundo afora, tal decisão do judiciário poderá incentivá-las a criarem subsidiárias em outros países, principalmente, os latino-americanos, mas voltadas integralmente para a competição no mercado interno local.
Tal fato já ocorre, por exemplo com o imposto ISS, quando empresas migram para municípios vizinhos e próximos das grandes capitais, para obterem incentivos de prefeitos que aceitam reduzir essa carga tributária em troca de empregos. Sem esse peso, as prestadoras acabam reduzindo seus preços na disputa de contratos dentro dessas capitais, as quais mantêm o ISS em alíquota maior - caso do Rio de Janeiro que ainda cobra 5% quando a maior parte cobra 2%.
Controvérsias
A Receita Federal do Brasil entende que empresas que contratam serviços de empresas estrangeiras sem que haja transferência de tecnologia deveriam lançar os valores pagos por eles como rendimentos sujeitos à incidência do IR na fonte, como prevê o Ato Declaratório Cosit n° 1, de 2000. Isso ocorre mesmo nos casos de serviços prestados por empresas localizadas em países que possuem tratados contra a bitributação para afastar o pagamento do tributo no país contratante.
No caso da petroquímica que obteve a vitória no TRF, os países onde se localizam as empresas com as quais contratou serviços - Canadá e Alemanha - tinham vigentes em 2005, quando os negócios foram feitos, tratados para evitar a bitributação. Ambos estabeleciam, em seu artigo 7°, que prestações de serviços contratadas no exterior devem ser enquadradas como lucro da companhia estrangeira, o que isentaria as brasileiras do pagamento de IR.
A empresa ingressou na Justiça para evitar a tributação do IR na fonte, mas perdeu na primeira instância e recorreu ao TRF, onde saiu vitoriosa na primeira turma. Mas a Fazenda Nacional recorreu com embargos infringentes contra o acórdão ao mesmo tribunal. Agora, ao julgar o novo recurso do fisco, a primeira seção do TRF entendeu, por maioria, que seria equivocada a aplicação do Ato Declaratório Cosit nº 1, que tenta tributar os serviços contratados no exterior.Os desembargadores afirmaram que, apesar de os tratados internacionais estarem no mesmo plano das leis ordinárias, eles predominariam por conta da sua especialidade.
De acordo com o advogado Luiz Girotto, do escritório Velloza, Girotto e Lindenbojm, que defende a empresa, essa é a primeira vez que a segunda instância da Justiça federal afasta a aplicação da norma. Segundo ele, a decisão deve servir de precedente para casos semelhantes, já que diversos tratados internacionais - entre eles, os assinados com Argentina, Bélgica, França e Itália - trazem a mesma previsão.
"A Receita queria fazer valer a norma interna como uma forma de aumentar a fatia de recursos obtidos com o Imposto de Renda, mas não se pode ignorar o que foi acordado nos tratados internacionais", afirma. Segundo Girotto, se a decisão for confirmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), diversas empresas brasileiras importadoras de serviços que não incluem transferência de tecnologia poderão entrar na Justiça para cobrar o tributo pago a mais nos últimos anos.
A discussão sobre a incidência do IR sobre os valores pagos por prestações de serviços feitas por estrangeiras já é de longa data, a advogada Ana Cláudia Utumi, sócia do escritório TozziniFreire Advogados. O primeiro caso emblemático envolve uma solução de consulta da Receita Federal no Paraná dada em resposta a uma indagação da Renault no fim dos anos 90.
Na época, o fisco se posicionou de forma contrária à incidência do IR sobre esses serviços, respeitando o que havia sido acordado no tratado assinado entre o Brasil e a França. A partir desse momento começaram a proliferar soluções de consulta em todo o Brasil - gerando divergências entre os Estados.
A definição do fisco só ocorreu com a edição do ato declaratório Cosit no 1. "Por isso, a relevância desse julgamento em segunda instância, que acabou por fazer valer os tratados internacionais nesses casos", afirma.
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